RAMPA

uma conquista dos Açoreanos para proteger o mar dos Açores


Maria Anunciação Ventura

Presidente do Conselho Regional dos Açores da Ordem dos Biólogos

Quando em meados dos anos 90 tirei o curso de mergulho amador com escafandro autónomo do Clube Naval de Ponta Delgada, foi a minha oportunidade de pela primeira vez me aperceber da beleza subaquática destas ilhas. Nos mergulhos que realizei em diversas áreas de São Miguel, algumas delas viriam mais tarde a ser incluídas na rede de áreas protegidas da rede Natura 2000, ficava maravilhada com a vida marinha, avistando esporadicamente grandes pelágicos como barracudas e encharéus. Mais tarde mergulhei nas Flores onde me vi rodeada de cardumes de peixe de tal forma densos, que inicialmente se tornou difícil ver algo mais. A minha exclamação ao retornar à superfície foi, “mergulhei num aquário”. Já nessa altura me apercebia da diferença entre mergulhar nas Flores e em São Miguel. Volvidos 30 anos, mergulhar nas Flores já não equivale a mergulhar num aquário, e em São Miguel tornou-se mesmo desanimador e desmotivante. O declínio da biodiversidade marinha costeira nos Açores é algo impactante para quem, como eu, já viveu o suficiente para se aperceber dela.


Por isso a palavra “conservação” entrou no nosso vocabulário, mas muitos usam-na sem entender o seu verdadeiro significado. A Conservação é uma disciplina de crise, tenta fornecer respostas rápidas para problemas complexos que ameaçam a biodiversidade, e com ela os serviços gratuitos que os ecossistemas nos prestam. Recentemente, a construção em 2 dias de uma barragem por castores na Chéquia, que iria custar aos cofres da região 1,2 milhões de euros, é o exemplo mais óbvio do quanto precisamos dos serviços prestados por ecossistemas saudáveis. Conservação pode ser definida como o uso equitativo e sustentável dos recursos, mas é preciso entender o verdadeiro significado de “sustentabilidade”. A economista Scott Cato, no seu livro de 2009 Green Economics (Economia verde), desconstrói o facto de se considerar num mesmo patamar e com igual relevância, os 3 pilares da sustentabilidade, ambiente, economia e sociedade, quando na realidade o pilar económico é um subsistema do social, e este é por sua vez um subsistema do pilar ecológico. Ou seja, é um ambiente saudável e resiliente que sustenta a nossa sociedade, a qual por sua vez define o modelo económico a adotar que deve ter em conta que os recursos naturais são finitos. É nesta ótica que surgem as áreas protegidas (AP), cujo objetivo é permitir um uso racional e verdadeiramente responsável dos recursos naturais. A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN), uma organização fundada em 1948, criou um sistema de classificação de áreas naturais com o intuito de proteger a sua biodiversidade. Neste sistema, as “Reservas naturais integrais” são resumidamente uma área de terra ou mar, que possui um ecossistema excecional ou representativo das condições específicas da região biogeográfica ou espécies de interesse primário para a conservação da biodiversidade, onde a presença humana é interdita ou fortemente condicionada. Áreas assim foram recentemente criadas no âmbito do programa Blue Azores, sendo estas essenciais para o bom funcionamento dos ecossistemas marinhos, e o garante a médio-longo prazo, da continuidade da pesca na região e suas imediações.


O trabalho levado a cabo pela equipe da Blue Azores, teve uma abordagem holística e participada, isto é, reuniu especialistas de diversas áreas e atores com interesse na economia do mar, permitindo uma discussão pública alargada sobre a criação destas novas áreas. E é exatamente este o âmago da conservação, permitir uma abordagem holística e participada para a tomada de decisões de interesse para uma região. Mas a definição das áreas a proteger e a sua justificação é da exclusiva responsabilidade da comunidade científica. Por isso concluo dizendo que, uma proposta para alterar uma lei que acabou de ser modificada em função de um processo científico, holístico e bastante participado, é não só um retrocesso inaceitável como um total desrespeito por todos os envolvidos.